por Adriana Terra: Reportagem
Direção de Arte: Solenn Robic
Ilustrações: Estevan Silveira
Entre o financiamento recorde em 2018 e as críticas pelo seu enfoque religioso, as comunidades terapêuticas no centro de um debate sobre drogras, direitos humanos e saúde que a sociedade precisa encarar.
A baiana Laura*, 36, é uma das veteranas de uma comunidade para dependentes químicos na região do Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Ela permaneceu no local mesmo após o fim do tratamento para alcoolismo, doença que a fez perder o emprego em um hospital - ou "lá fora", como ela mesmo fala. Laura lembra que, para aplacar as crises no início da recuperação, foram muitas idas à capela do complexo. "Graças a Deus, no dia de hoje, no momento presente, eu já não sinto mais falta da bebida, da droga, do cigarro", afirma.
Assim como outras "madrinhas” – uma das muitas palavras do vocabulário interno –, Laura tem responsabilidades na fazenda onde funciona a comunidade. Ela acompanha as recém-chegadas e monitora os trabalhos. Há uma horta e fabricação de produtos com babosa, que são vendidos para as famílias das residentes – é assim que são chamadas as mulheres que ali vivem e decidiram “ficar limpas”. Esse grupo é formado por brasileiras de várias origens e algumas estrangeiras latino-americanas que compartilham uma rotina de grupos de apoio, missas e orações. "O dia-a-dia aqui é trabalho, convivência e espiritualidade", afirma Laura. "É o tripé".
Esse conceito de tratamento ganhou o nome de comunidade terapêutica (CT). A proposta desses espaços é servir à recuperação de dependentes químicos por meio da espiritualidade. Esses centros são entidades privadas que contam com apoio crescente de várias esferas do governo, embora muitas desrespeitem protocolos de proteção de direitos humanos – ; como a liberdade ou a ou a ausência de crença. A maioria é ligada à instituições religiosas. Dentro deles a presença de profissionais da saúde varia, mas quase metade não contam, por exemplo, com consultório médico.
Fundada há 30 anos, a comunidade Fazenda Mãe da Esperança, onde Laura vive, é pioneira no acolhimento de mulheres. Na noite anterior à visita da reportagem, uma delas havia dado à luz. Mães podem ficar com filhos de até um ano durante os tratamentos, que são longos – uma das exigências é assinar a carta de entrada que prevê um período de 12 meses fora da vida em sociedade.
"Tempo temos de sobra, não é problema", brincam três jovens com quem a reportagem conversou em uma instituição masculina da mesma rede de comunidades, a Fazenda da Esperança. No local, não há médicos ou psicólogos fixos, mas voluntários e lideranças espirituais. Também não há celulares. Atividades de lazer têm horário e a presença nas atividades religiosas é obrigatória – se a pessoa tem outra fé, deve participar "em respeito", dizem os responsáveis. Além da laborterapia, o tratamento tem base em ensinamentos católicos e regras para um novo estilo de vida. Marcos*, 23, se diz esperançoso com o processo, mas não crê que a possível nova vida permita a atuação dele na área da sonoplastia e do trabalho com bandas, a qual ele associa ao uso de drogas. A "ativa", como chamam.
Além das comunidades católicas, há no Brasil um número ainda maior de evangélicas, algumas espíritas, outras ecumênicas e muitas que misturam linhas diferentes do cristianismo. São mais de 2.000 registradas, além de outras irregulares espalhadas pelo interior dos Estados e periferias das grandes cidades. O método mais comum de divulgação desses locais são panfletos entregues no transporte público por ex-residentes que se tornaram voluntários. As regras internas podem ser mais ou menos rígidas. O que a maioria tem em comum é o chamado tripé – trabalho, convivência (alguns colocam disciplina aqui) e espiritualidade – citado por Laura, reiterado como um mantra por quem passa pelas comunidades.